Revista de Arqueología Histórica Argentina y Latinoamericana
Vol. 15, Núm. 2, julio - diciembre 2021. ISSN 2344-9918
Asociación de Arqueólogos Profesionales de la República Argentina
Artículos

ARQUEOLOGIA DA DIÁSPORA AFRICANA E ATIVISMO SOCIAL

ARQUEOLOGÍA DE LA DIÁSPORA AFRICANA Y ACTIVISMO SOCIAL

AFRICAN DIASPORA ARCHAEOLOGY AND SOCIAL ACTIVISM

logo ORCID
Analía García
Instituto de Arqueología (IA) – Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires.
logo ORCID
Sara Teixeira Munaretto
Universidade Federal do Pampa
Cómo citar este artículo:
García, A. y Munaretto, S. (2021). Arqueología da diáspora africana e activismo social. Revista de Arqueología Histórica Argentina y Latinoamericana, 15(2), 56-76. Buenos Aires
RESUMO:
O objetivo deste artigo é discutir as potencialidades da arqueologia da diáspora africana como ativismo social. Partindo da análise de estudos de caso que abordam a prática da arqueologia da diáspora africana, na sua vinculação com a patrimonialização e a musealização, buscamos contribuir na construção de uma arqueologia comprometida e capaz de ser um agente de mudança em relação a questões de interesse social contemporâneas a partir de preocupações sociais, políticas, econômicas e ambientais contemporâneas. Concluímos que nosso campo disciplinar, como ativismo social, deve apontar para a formulação de perguntas que busquem o desenvolvimento de medidas de reparação e conscientização que favoreçam a desconstrução da colonialidade do poder, tanto da disciplina como da sociedade em geral.
Palavras-chave:
Arqueologia da Diáspora Africana; Patrimônio; Musealização; Ativismo Social
RESUMEN:
Este texto tiene por objetivo discutir las potencialidades de la arqueología como activismo social a partir de intervenciones sociales concretas. Partiendo del análisis de casos de estudio que abordan la práctica de la arqueología de la diáspora africana en su relación con la patrimonialización y musealización, buscamos contribuir a la construcción de una arqueología comprometida, capaz de ser un agente de cambio de las preocupaciones sociales, políticas, económicas y medioambientales del presente. Concluimos que, nuestro campo disciplinar como activismo social debe apuntar a la formulación de preguntas que busquen el desarrollo de medidas reparativas y de concientización que favorezcan la deconstrucción de la colonialidad del poder tanto de la disciplina como de la sociedad en general.
Palabras clave:
Arqueología de la Diáspora Africana, Patrimonio, Musealización, Activismo Social
ABSTRACT:
This article discusses the potential of African diaspora archaeology as social activism. Based on the case studies addressing the African diaspora archeology practice in its connection with heritage and musealization, we seek to contribute to the construction of an engaged archeology capable of being an agent of change in relation to social, political, economic, and environmental contemporary concerns. We conclude that our field as social activism should raise questions about the development of politics of reparation, as well as it should emulate awareness process to counter the coloniality of power, both in the discipline and in society.
Keywords:
Archaeology of the African Diaspora; Heritage; Musealization; Social Activism
Recibido: 19 de octubre de 2021
Aceptado: 5 de abril de 2022

INTRODUÇÃO

A instalação de um sistema capitalista global no mundo conduziu à classificação racial como fundamento dos sistemas sociais. Essa nova forma de ordenamento social é entendida por Quijano (2000) como um processo histórico de colonialidade que se estende pelo planeta. Assim, as diferentes formas de ordenar o mundo, centradas em aparentes diferenças biológicas, outorgariam os fundamentos necessários para sustentar práticas de exploração e desigualdade social baseadas na cor da pele, no gênero e na posição de classe.

O conceito de raça, forjado cientificamente a partir do século XVIII, é apropriado pelo Estado e pelas elites, que o utilizam para nos governar, organizando realidades pós-coloniais violentas. Racismo, poder, soberania e nação têm, assim, significados correlatos. Para Mbembé y Meintjes (2003), soberania significa essencialmente o direito de matar ou de deixar viver, e esse direito soberano de matar é um elemento constitutivo fundamental dos estados modernos. Os Estados foram construídos sob uma ideia de nação definida por Anderson (1993) como comunidades políticas imaginadas que são inerentemente limitadas e soberanas. Comunidade porque, apesar das desigualdades e da exploração, é concebida como um profundo companheirismo horizontal; imaginada porque seus integrantes jamais chegarão a conhecer-se entre todos e, portanto, se imaginam em comunhão; limitada porque, apesar da quantidade de pessoas que inclui, suas fronteiras são finitas (ainda que elásticas) e rodeadas por outras nações; e soberana porque nasce com a intenção de sentir-se um Estado livre.

A partir dessas definições e perspectivas, consideramos que a criação dos Estados-Nação no período da conquista de África e América se centraram na constituição de comunidades políticas imaginadas, mas desde uma ideia de soberania focada na perversão de destruir, de eliminar as diferenças marcadas por uma suposta desigualdade essencialmente racial. Com isso, todas as populações que não puderam entrar dentro da lógica do novo sistema-mundo que se gestava, por serem vistos como inferiores, por sua “incivilização” diante do europeu branco e “superior”, podiam ser exploradas para dar lugar a uma nova ordem social estabelecida e organizada por uma raça branca, europeia e pretensamente mais civilizada.

O uso de fundamentos degradantes para sustentar as políticas de extermínio e exploração contra as populações deram lugar à naturalização de argumentos pejorativos e falácias. Foram cimentadas categorias de análise que são transversais a diferentes campos sociais, incluindo a academia, no nosso caso, a arqueologia. A partir da reprodução e construção de conceitos e formas de exercer a disciplina, em certos casos nosso trabalho resultou (e ainda resulta) em uma reprodução do sistema colonial baseado nas diferenças, outorgando ferramentas que inclusive fundamentam as relações de desigualdade social.

Os estudos arqueológicos sobre diáspora africana no âmbito da arqueologia ganharam fôlego a partir dos anos 1960. O campo foi fundamentalmente impulsionado pela atuação dos movimentos sociais, que sempre tiveram papel fundamental na reformulação de princípios metodológicos da Arqueologia e dos processos de curadoria e musealização (Menezes Ferreira, 2009). Apesar disso, se é verdade que avançamos na reflexão sobre a vida das pessoas negras desde a escravidão, também é verdade que muito pouco avançamos em nossa capacidade de discutir raça e relações racializadas, bem como no desenvolvimento efetivo de contribuições para a transformação da sociedade.

Com as reflexões a partir da ampliação de estudos da diáspora africana, algumas críticas e problemáticas surgem em experiências concretas no âmbito dos debates sobre patrimônio cultural. O tema da escravidão e da diáspora africana têm sido colocados e narrados através de museus, memoriais, centros de pesquisa e outros locais públicos de memória. Nesse contexto, as políticas de memória sobre as experiências afro-americanas nas Américas são um campo em disputa. Uma questão central aqui é: como pensar essas narrativas se o direito à cidade e o acesso a um “capital cultural” é definido pelo racismo herdado da sociedade escravista? Se a própria definição de um “capital cultural”, do que deve ser lembrado e esquecido, dos conceitos de conhecimento, erudição, ciência e patrimônio não são neutros, mas sim, usualmente, discursos dominantes brancos e violentos? Como pensar políticas de memória que deem conta de ir além de uma epistemologia do sofrimento, mas que sejam ao mesmo tempo políticas antirracistas de denúncia e reparação? Como pensá-las com os movimentos sociais e a partir de suas provocações e pautas?1

Com base na desconstrução de categorias analíticas que naturalizamos para classificar racialmente as sociedades, no entendimento de seu funcionamento e dos processos que as atravessaram, nos propusemos a analisar uma série de estudos de caso que tratam da gestão arqueológica do ponto de vista da musealização e patrimonialização. Nosso intuito é discutir como elas geram narrativas que não aprofundam socialmente a discussão sobre raça e relações racializadas. Pelo contrário: podem gerar discursos que consciente ou inconscientemente ressaltam as diferenças raciais -na forma de desigualdade social no acesso de bens, serviços, oportunidades e direitos- e favorecerem a manutenção da colonialidade do poder. Processo que começou no século XVI e que tem se redesenhado continuamente para seguir abarcando uma escala mundial em que todos somos ferramentas e partícipes desse capitalismo eurocentrado.

ARQUEOLOGIA, COLONIALIDADE E CATEGORIA DE RAÇA

Em um contexto de atualização do racismo colonial, em que novas estratégias2 do capitalismo visam perpetuar relações de dominação, cabe retomar alguns aspectos estruturantes apontados por Quijano (2000). Para o autor, o atual sistema-mundo global, que começou a formar-se com a colonização da América, tem em comum três elementos centrais que afetam a vida cotidiana da totalidade da população mundial: a colonialidade do poder, o capitalismo e o eurocentrismo. Isso não significa, obviamente, que as heterogeneidades culturais e políticas tenham sido erradicadas no sistema-mundo. O que sua globalidade implica é um solo básico de práticas sociais comuns para todo o mundo, e uma esfera intersubjetiva que existe e atua como esfera central de orientação valorativa da diversidade do mundo social. Segundo Quijano (2000, p. 215):

(…) las instituciones hegemónicas de cada ámbito de existencia social son universales a la población del mundo como modelos intersubjetivos. Así, el Estado-nación, la familia burguesa, la empresa, la racionalidad eurocéntrica.

A racionalidade eurocêntrica produziu teorias racialistas e eugênicas sob o nome de ciência, o capital explorou/explora o trabalho, o estado escravizou, promoveu políticas de branqueamento e, até hoje, pouco efetivou em termos de reparação. O Brasil é um dos exemplos americanos desse processo. Como mostra Sánchez Arteaga (2017), no Brasil a biologia serviu como aparato simbólico de naturalização das desigualdades entre diferentes grupos étnicos, isto é, o discurso biológico foi empregado para defender distintas formas de políticas de branqueamento da população.

As instituições hegemônicas que configuraram o capitalismo a partir da escravidão seguem ditando as regras e promovendo uma política de higienização e perseguição com recortes de gênero e raciais. Nessa configuração do sistema refletida por Quijano (2000), a noção de raça possibilita que sejam definidas hierarquias e papéis sociais que naturalizam e legitimam relações de dominação, nesse caso, traduzidas em relações racializadas. Nessa lógica, a categoria raça é um elemento central da soberania, em que alguns sujeitos detém o poder e outros são os que podem morrer. Mbembé y Meintjes (2003) explicitam o conceito de soberania como instrumentalização generalizada da existência humana, como destruição material de populações. Para eles, isso traduz a expressão máxima do poder, que eles conceituam como necropolítica: a capacidade de decidir quem pode viver e quem deve morrer.

A destruição de corpos humanos e das populações pela lógica da soberania não implica somente guerras, assassinatos e, inclusive, suicídios, mas também a geração de novas e únicas formas de existência social, nas quais as populações adquirem status de “mortos vivos” (Mbembé y Meintjes, 2003). As epistemologias raciais, assim, se coadunam com o nacionalismo, com o sentimento de comunidade imaginada (Anderson, 1993), mascarando, paradoxalmente, as desigualdades com os lemas da igualdade, liberdade e comunhão.

Diante disso, analisaremos uma série de estudos de caso sobre as práticas museológicas e patrimoniais da arqueologia da diáspora africana. Nosso argumento é que a criação de narrativas arqueológicas sobre o tráfico e a escravização de africanos não tem desnaturalizado as epistemologias raciais, as pretensas diferenças fundadas no biológico, findando por reinserir-nos dentro da máquina de reprodução de desigualdades sociais mascaradas.

MUSEALIZAÇÃO E PATRIMONIALIZAÇÃO NA ARQUEOLOGIA DA DIÁSPORA AFRICANA

Para localizar melhor conceitualmente o campo denominado arqueologia da diáspora africana, tomamos as definições apresentadas por Menezes Ferreira (2009). Os temas e estudos nesta perspectiva englobariam distintas experiências e recortes que compreendem não somente o processo de dispersão de populações africanas e afrodescendentes em consequência da escravidão e imigração forçada, mas também as experiências de vida, práticas cotidianas, ações sociais, múltiplas identidades e processos de resistência de escravizados africanos e afrodescendentes, bem como as relações multiculturais que, a partir do século XVI, enlaçou os povos de África, América e Europa. E esse processo histórico tem como consequência múltiplos recortes temporais e temas de estudo no campo da arqueologia.

As estratégias de gestão desenvolvidas pela arqueologia, seja através da patrimonialização ou da musealização, se traduziram em medidas concretas que aportam para a visibilização e conscientização sobre os crimes e extermínios ocorridos com as populações africanas e afrodescendentes. Contudo, elas demonstram que podem não ser mais do que medidas paliativas que reproduzem as desigualdades sociais. De forma intencional ou não, as “aniquilações simbólicas” – isto é, as formas de invisibilidade das histórias dos escravizados que valorizam a branquitude (Alderman e Campbell, 2008) – implementadas pelos estados e instituições culturais e acadêmicas criam esquecimentos que, segundo Hayes (2011), atuam na construção de subjetividades ligadas à história da escravização. Os apagamentos concretizados se tornam elementos centrais para a construção de identidades e de nacionalismos. Ressaltam determinados elementos que mantém e retroalimentam conceitos raciais, reproduzindo, assim, desigualdades sociais.

Hayes (2011), em seu estudo sobre Sylverter Manon, um assentamento de meados do século XVII na ilha de Nova Iorque, mostra como as narrativas implementadas na musealização do local, em detrimento da pouca visibilidade do cemitério de pessoas não brancas, excluiu indígenas e africanos da história americana, e celebrou pessoas brancas da história local. Estas distintas formas de invisibilização do passado de indígenas e africanos, que apagam e ocultam as relações de poder implementadas a favor da construção de uma identidade branca, ajudam a manter as relações racializadas.

Tais relações são construídas pelas narrativas que distribuem museus e monumentos na paisagem. É o que mostra o arqueólogo Paul Shackel (2001) sobre os monumentos que celebram a guerra civil nos Estados Unidos (1860-1865) e a exposição do Enola Gay, realizada pelo Smithsonian Institute. O autor argumenta que estas exposições geram narrativas que criam identidades étnicas e estruturam as relações de hierarquia e classificação que controlam as memórias públicas. Assim, segundo Shackel, as construções de novas identidades também se produzem a partir da monumentalização da paisagem. No caso dos Estados Unidos, ela tem gerado elementos que apagam passados alternativos e reforçam sentimentos patrióticos e nostálgicos por meio de patrimônios específicos, a exemplo dos bustos e monumentos que representam generais brancos e escravistas do período da Guerra Civil.

Giovanetti (2009) e Alderman e Campbell (2008), por sua vez, ressaltam o papel que possuem as visitas guiadas e a administração dos sítios na produção de histórias públicas. Giovanetti (2009) aborda como o uso da cultura material e a narrativa turística em grandes fazendas do Brasil, Cuba, Barbados e Porto Rico exaltam os escravizadores, relegando ao silêncio a história dos escravizados, inclusive destruindo ou descurando as senzalas. De modo semelhante, Alderman e Campbell (2008), ao estudarem o museu da escravidão de Walterboro, Carolina do Sul, observam que o foco na vida social dos brancos e a omissão de referências sobre a escravidão, com o uso de eufemismos como “serventes” para se referir às populações escravizadas, se convertem em estratégias de “aniquilação simbólica”: provocam o apagamento da história da escravidão e do genocídio cometido contra as populações africanas durante a colonização. Estruturam visões de mundo sobre quem é importante socialmente e quem não é.

Pode-se dizer que esses processos patrimoniais são necropolíticos (Mbembé y Meintjes, 2003): ocultam e legitimam as guerras coloniais e genocídios conduzidos pelos conquistadores contra os grupos considerados inimigos absolutos. Ou seja, contra populações que haviam sido classificadas como inferiores e diferentes, e que, como tais, eram vistas como rivais a serem exterminados, caso não se incorporassem aos regimes coloniais. Dessa forma, as anulações, os apagamentos, as distorções e os eufemismos patrimoniais inventados para descrever e interpretar os escravizados criam uma história oficial que fixa e reproduz uma memória nacional eurocêntrica, na qual todos aqueles não nascidos na Europa são posicionadas como raças inferiores.

Segundo Quijano (2000), esses discursos se apresentam como uma forma de atualização colonial com a finalidade de manter as cosmologias racistas e acentuar as relações de desigualdade. Esta constante reprodução de práticas e narrativas que distorcem e desfiguram elementos e ações de dominação e opressão se fixam na mente como pequenos slogans. Como ideias que se naturalizam ao ponto de se reproduzirem inconscientemente e fundamentarem ações concretas de dominação, opressão e desigualdade social. Seguindo Mazzanti (2010), os discursos dos estados-nação contribuíram para a domesticação da memória social, outorgando glorificação a diversas façanhas históricas que se tornaram mitos fundacionais das proezas civilizatórias.

O trabalho de Barnes (2011) esclarece isso. O autor sustenta que raça é um construto social utilizado para definir outro a partir de seus traços físicos, mas também por meio do conhecimento de sua linhagem de parentesco3. A partir dessa definição analisa a região de Apalachia, lugar onde existe um legado de colonialismo e escravidão de populações africanas e indígenas. Ali, as tensões raciais se reproduzem dentro dos mesmos grupos que estão sendo discriminados a partir de frases desqualificadoras como “lixo branco”. Esse termo era utilizado pelos mesmos africanos escravizados e pelas elites brancas para se diferenciarem das populações brancas de baixos recursos. Para o autor, isso outorga ao racismo e à desigualdade uma dimensão estrutural e histórica que se relaciona com a família, a economia, o religioso, o gênero, entre outros aspectos.

Estas diferentes manifestações culturais que criam discursos coloniais sobre raças inferiores e superiores se somam às contradições entre os diferentes agentes sociais: público em geral, comunidade acadêmica, organismos governamentais, entre outros. É o que nos mostra Katchka (2004), em seu estudo sobre a criação do museu de Gorée-Almadies. A instituição -que até o momento não foi construída- foi planejada para ser instalada na costa ocidental de Dakar, capital do Senegal, com a finalidade de celebrar a memória das pessoas que durante o tráfico escravo foram arrancadas de seus territórios, aprisionadas na ilha Gorée (na costa de Dakar) e, sem seguida, trasladadas pelo Atlântico em direção às Américas.

A pergunta central de Katchka é o motivo pelo qual se pretende construir um memorial na costa de Dakar, quando a própria ilha Gorée se apresenta como um sítio de memória e é visitado por muitas pessoas que buscam reparar o trauma e a memória da escravização. Esta discussão sobre a localização da instituição, que para Katchka (2004) pôde ser realocada porque se apresenta como uma abstração histórica do tráfico que integra os destinos e histórias das diferentes pessoas em todo o mundo e os diversos locais de uma história coletiva, não é um tema de menor importância. Ele revela as tensões entre os métodos acadêmicos de investigação histórica e arqueológica e as demandas públicas de evidências tangíveis do passado de escravização de africanos. Reflete as disputas sobre a interpretação do passado e de seus usos no presente.

A arquitetura do museu, projetada por um italiano, não é detalhe de menor importância, pois, uma vez mais, situa o europeu como o portador da voz autorizada na construção de narrativas históricas, identitárias e nacionais. O edifício do museu, símile ao auditório de Sydney, não reflete, a nosso ver, o extermínio realizado durante o comércio dos escravizados e, portanto, se encontra muito longe daquelas duas funções do projeto original de criação do museu: honrar aqueles que morreram pelo comércio de escravizados; educar os diferentes públicos sobre a escravidão, suas repercussões e seu impacto na atualidade.

As ambivalências entre interpretação e usos do passado se veem também no Cais do Valongo, localizado no Rio de Janeiro, Brasil. Esse sítio foi escavado por Tânia Andrade Lima (2013) e sua equipe. Além de milhares de artefatos relacionados ao tráfico atlântico e ao cotidiano de africanos e seus descendentes, as escavações evidenciaram que o Cais do Valongo foi, em 1843, superposto pelo Cais da Imperatriz, a fim de receber a princesa Teresa Cristina, futura esposa do imperador Dom Pedro II. Pelo Cais do Valongo, contudo, passaram mais de 500.000 africanos escravizados, entre o final do século XVIII e 1831, sendo, assim, o maior porto de desembarque das Américas (Vassallo y Ciccalo, 2015).

Se consideramos o conceito de hibridização cultural de Bhabha (1998), isto é, a ambivalência do sujeito discriminada no objeto, no Cais do Valongo se produz uma hibridização cultural que, junto com a discussão sobre o Museu Goreé-Almadies e com a perspectiva da variável atlântica, permitem duas reflexões. Por um lado, como sustenta Quijano (2000), o começo da construção da América e da identidade europeia, baseadas em um capitalismo eurocentrado, começou a atuar como um novo padrão de poder mundial. A partir dali as relações que se configuraram foram sustentadas pelas epistemologias raciais que legitimaram, e ainda legitimam, desigualdades econômicas, políticas e de gênero. Essas epistemologias raciais se transformaram e se adaptaram às novas necessidades do capitalismo global, a ponto de que as lutas realizadas pelas populações oprimidas, embora tenham permitido a aquisição de novos direitos sociais, ainda não romperam com as estruturas de controle e colonização, as quais imperam sobre os povos e grupos sociais oprimidos.

Por outro lado, as narrativas que geramos nas construções de textos acadêmicos a partir da patrimonialização e musealização são discursos que nos distanciam de pensar sobre a superposição temporal e espacial em que estamos imersos. O passado e o presente se configuram de maneira mesclada e superposta (Bhabha, 1998). Assim, as evidências arqueológicas recuperadas na plantation Enola Gay, ou o projeto de construção do Museu Goreé-Almadies, não se constituem como lugares ou espaços que geram contra-argumentos que contribuam para eliminar as desigualdades sociais. São “espaços de enunciação” (sensu Bhabha, 1998), lugares que denotam a ambivalência da conformação da nação, que estão sendo utilizadas pelos estados para construir identidades nacionais, para colonizar através de ideias que permitam vangloriar a uns poucos e desqualificar populações inteiras.

O entrelaçamento de culturas no tempo e no espaço se manifesta em tensões constantes bem refletidas na abordagem de Ndvolu (2017) sobre o papel que cumprem diferentes instituições como a UNESCO, os organismos governamentais, as organizações sociais e a comunidade arqueológica em geral nos processos de patrimonialização da história de escravização de africanos. O autor estuda o conflito que se ocasiona sobre a paisagem cultural de Mapungubwe, na África do Sul. Nessa região, a mineração e a exploração de petróleo e gás vem afetando drasticamente o meio-ambiente, sítios arqueológicos e as populações que habitam o local. O autor mostra como os interesses capitalistas se sobrepõem às necessidades sociais locais. O silêncio da comunidade arqueológica sobre a destruição de sítios, a reação da UNESCO chancelando Mapungubwe na lista de patrimônio mundial e os conflitos e desarticulações entre os organismos governamentais respondem à lógica de mercado que reconfigura as estratégias colonialistas sobre as comunidades.

Assim, podemos considerar que a indexação de Mapungubwe na lista patrimonial é uma forma de resguardo dentro de uma caixa de cristal, não conduzindo discussões que permitam pensar e debater formas de eliminação de novas relações de exploração. Tampouco geram medidas que evitem a contaminação ambiental por mineradoras e petrolíferas. Na verdade, atua como um guarda-chuva que não resolve o problema de fundo, ocultando, apagando, escondendo o debate sobre desigualdade social e práticas coloniais.

No que diz respeito à relação entre as distintas esferas públicas e privadas, Laroche (2011) menciona a importância do vínculo entre arqueólogos, às comunidades e o ativismo, e analisa como a partir da pressão do ativismo social se conquistam medidas de repatriação de corpos e objetos de centenas de africanos e afro-americanos que haviam sido extraídos do cemitério africano de Manhattan. Mostra, ainda, como essa relação nem sempre se traduz em práticas de patrimonialização quando as pesquisas arqueológicas não aportam elementos concretos que adentrem os perímetros das políticas identitárias e patrimoniais, como é o caso de Duffield Street no Brooklyn.

Estas análises mostram as complexidades que giram em torno aos processos de ativação do patrimônio afrodescendente. Casos como o de Mapungubwe tornam visível a falta de articulação entre as cartas internacionais e as legislações locais. Situações concretas de repatriação como a do cemitério do baixo Manhattan e a da propriedade de Duffield Street no Brooklyn refletem os diversos olhares sobre o patrimônio e a identidade, e ambas tornam muito complexo o debate patrimonial. Em meio às narrativas hegemônicas que conferem às instituições culturais a lógica do mercado, deve-se pensar o patrimônio afrodescendente como categoria política, sempre aberta e em disputa. Diante disso, é pertinente o argumento de Menezes Ferreira (2008), que pensa o patrimônio arqueológico sob três aspectos: 1) como a institucionalização da cultura material para fins políticos, 2) como repatriação aos povos subalternos, a quem o patrimônio cultural pertence moral e legalmente; 3) e como pós-colonialidade, isto é, como índices dos debates sobre descolonização.

Em seu estudo de caso sobre a África do Sul, Worden (2009) ajuda-nos a pensar o patrimônio afrodescendente como categoria política e sobre os descompassos entre projetos oficiais e a história da escravidão. Analisando detidamente o projeto A Rota do Escravo, proposto pela UNESCO em sua Conferência Geral no ano de 1993 e lançado oficialmente em 1994 na cidade de Ouidah, no Benim (ver Relatório do Diretor Geral sobre o Projeto Rota do Escravo), ele mostra que o projeto tem sido ineficaz. A Rota do Escravo não discute as diversas e modalidades históricas de escravização na África do Sul, como a servidão por dívidas, a escravização de africanos por holandeses e o tráfico de escravos para a Índia. Tampouco o projeto lança luz sobre os desdobramentos contemporâneos da história da escravidão, como a exploração laboral de imigrantes, e terceirização do trabalho enfrentada por negras e negros sul-africanos.

Assim, segundo Worden (2009), A Rota do Escravo, como projeto de ativação do patrimônio afrodescendente, não conscientiza sobre as complexidades da história da escravidão e seus efeitos contemporâneos na África do Sul. Assim, conclui Worden, a articulação entre a prática arqueológica e a patrimonialização não são suficientes para ativar debates sobre conscientização e desnaturalização das desigualdades sociais. Isto leva a perguntar-nos: Qual é o verdadeiro objetivo que devem ter as práticas patrimoniais? Qual o papel da arqueologia nesses processos? González Ruibal (2012, p.111) nos aponta um caminho: “El reto de la arqueología es comprender el papel de la materialidad en la construcción de sujetos en cada contexto histórico y cultural”.

Deve-se frisar que o projeto A Rota do Escravo chegou à América do Sul. Em 2009, Argentina, Uruguai e Paraguai foram incluídos no programa. No campo da Antropologia Social, podemos mencionar a incorporação, no ano de 2011, da “Capilla de los Negros”, localizada na cidade de Chascomus, província de Buenos Aires, como sítio histórico de memória da Rota do Escravo no Rio da Prata4 (Annecchiarico, 2014; UNESCO, 2012). A capela, fundada em 1778 durante o Vice-Reinado do Río de la Plata, foi declarada lugar histórico nacional em 1962 e sítio histórico provincial em 1992. Esta edificação é um dos escassos testemunhos materiais da presença de descendentes de africanos escravizados que ainda se mantém em funcionamento (Annecchiarico, 2014).

Conforme Annecchiarico (2018), apesar dos avanços no reconhecimento e visibilização sobre os africanos, afrodescendentes e afro-argentinos, a patrimonialização da capela dentro do projeto Rota do Escravo “(…) evidencia las ambivalencias de la narrativa hegemónica y la emergencia de una narrativa subalterna” (Annecchiarico, 2018, p.237). Annecchiarico (2018) identificou-nos dos discursos oficiais escassa menção sobre a presença afrodescendente na cidade de Chascomús. Notou, ainda, que relatos e interpretações de escritores locais e historiadores reproduziram a narrativa hegemônica sobre crioulização e mestiçagem, apagando as evidências sobre os projetos eugênicos de embranquecimento da população argentina e que levaram ao extermínio e imigração forçada das populações afrodescendentes. Finalmente, Annecchiarico (2018) sublinhou o alijamento dos testemunhos dos cuidadores da capela, majoritariamente descendentes de africanos escravizados, equivalendo-o a um novo apagamento da negritude na Argentina. A crítica da autora, nesse sentido, se sintoniza com a de Worden (2009) no que toca às ambivalências e descompassos do projeto A Rota dos Escravos.

Lamborghini (2019) alinha-se a esses argumentos ao analisar as narrativas e representações sobre afrodescendentes nos museus em geral e na Argentina em particular. A autora menciona que os museus são dispositivos disciplinares de produção de sujeitos e que, a partir da forma de apresentação dos materiais, cria-se um “guión curatorial” (aspas no original) que norteia o discurso ou a visão que se quer transmitir. Ainda, agrega:

“La crisis de autoridad académica y museológica no se soluciona fácilmente con la ‘autorrepresentación’, dado que, para usar una expresión cara a la antropología, no hay ‘uno’ ni ‘unos’, sino ‘muchos’ ‘nativos’ y la inclusión de algunos en detrimento de otros genera visiones también parciales. Los procesos de colaboración deberían ser ampliamente inclusivos” (Lamborghini, 2019, p.70).

De acordo com García Canclini (2001), os museus são sistemas ritualizados de ação social, porque como sedes cerimoniais do patrimônio, neles se reproduz a ordem semiótica com a qual os grupos hegemônicos o organizaram.

Outro tema a ser evocado sobre este processo de identidade é a questão da memória. O olhar psicanalítico de Kehl (2010) sugere uma analogia: assim como a elaboração das questões íntimas do neurótico com o analista é um caminho para a cura, tornar públicas e coletivas as experiências de lutas, os silenciamentos e as dores do passado, esquecidas (propositalmente ou não) pela história, é um passo indispensável para dirimir traumas coletivos. A forma como conduzimos o tema da memória e das práticas patrimoniais deveriam ter por função não desumanizar a história.

Concordando com a perspectiva de Kehl (2010), consideramos que as práticas patrimoniais, como ferramentas políticas utilizadas para a formulação de identidades, devem desconstruir perspectivas que contribuam para a conservação e perpetuação de perspectivas colonialistas e racistas. Ou que sugiram que o racismo, o escravismo e o colonialismo que constituíram a modernidade sejam letras mortas, sem quaisquer efeitos nas políticas econômicas que distribuem as desigualdades de raça, classe e gênero da contemporaneidade. Como sustenta Curtoni (2014, p.123): “Se trata de desplazarse del concepto prescriptivo y excluyente del patrimonio a la idea inclusiva (polifónica), crítica y abierta del patrimonio.”

A partir da análise desses estudos de caso, chegamos a duas perguntas centrais que a arqueologia da diáspora africana deveria responder e que, por seu turno, já foram anunciadas por Laroche (2011): A quem serve? Qual o seu papel? Com relação a primeira pergunta, estamos de acordo com Menezes Ferreira (2008), que pontua que a arqueologia sempre foi companheira das expansões territoriais dos impérios. Em muitos casos, sua prática gerou narrativas que se colaram na mente das pessoas anulando outros discursos, favorecendo a reprodução de argumentos que acentuaram as desigualdades sociais a partir da desqualificação das chamadas culturas “populares” e da valorização das culturas “elitistas”. A respeito disso, García Canclini (2001) menciona que o processo constitutivo da modernidade é pensado a partir de oposições enfrentadas de maneira maniqueísta: moderno, culto e hegemônico versus tradicional, popular e subalterno. Com base nestes argumentos, o autor analisa, a partir do folclore, da indústria e da cultura de massa, do artesanato e do populismo político, como os setores hegemônicos extraem dessas oposições o discurso moral de seu interesse (do progresso e das promessas da história) para justificar sua posição na sociedade, enquanto um suposto “atraso” das classes populares as condenaria à subalternidade.

Isso nos conduz à segunda resposta: a arqueologia deve ter um papel social. Deve responder às demandas sociais de grupos que ainda seguem sendo oprimidos, que reivindicam uma libertação dos novos sistemas de trabalho, inclusive os ainda escravistas, ditados por um capitalismo global que arrasou com quase toda possibilidade de pensar em sair de um circuito que segue sendo favorável a poucos. As investigações arqueológicas devem ser realizadas para se obter medidas de reparação para as populações oprimidas. Pois os delitos e extermínios praticados contra as populações africanas são crimes de lesa-humanidade (Mosquera y Barcelos, 2007), e, como estabelecido pelas Nações Unidas na Convenção Internacional de Imprescritibilidade dos crimes de guerra e de lesa-humanidade de 1968, estes crimes são imprescritíveis, ao que se soma o Estatuto de Roma (1998), no qual também se contempla o genocídio como o crime de maior gravidade cometido contra a humanidade (Medina Seminario y Vázquez Arana, 2013).

Já foram classificados como crimes de lesa-humanidade o holocausto judeu, e o terrorismo de estado nas ditaduras da América Latina e de outros países do mundo. Mas, até hoje os sucessivos extermínios cometidos contra populações africanas durante o tráfico, e as afro-americanas ocorridos durante a criação dos estados nacionais das Américas, não foram considerados como crime de lesa-humanidade. Utilizamos métodos e técnicas arqueológicas para recuperar evidências de crimes contra os direitos humanos (exemplo são os trabalhos no campo da arqueologia da repressão em diferentes países da América), para julgar os responsáveis desses delitos, mas não o fazemos para julgar as nações que dominaram e exterminaram populações inteiras e que ainda hoje desenham novas estratégias e maquinarias de dominação e apagamento dessas sociedades. Se não o fazemos, é preciso que se diga que as velhas categorias da diferença que hierarquizaram grupos em superiores e inferiores ainda estão vigentes, e ainda organizam profundamente nossas sociedades. Não o fazemos porque há uma naturalização perversa em nós: algumas vidas importam mais do que outras.

PATRIMÔNIO E ARQUEOLOGIA COMO FERRAMENTAS POLÍTICAS

Questionar e transformar a atual ordem de dominação sócio-étnico-racial é tarefa tão difícil quanto urgente. Do ponto de vista jurídico, se na América Latina não tivemos nenhum instrumento de opressão tão óbvio quanto as Lei de Jim Crow ou o Apartheid5, tivemos uma trilha legislativa tão perversa quanto essas, com consequências profundas até hoje. Desde o século XIX temos uma sucessão de leis que beneficiam brancos, mas pouquíssimas leis com caráter de reparação histórica.

Para Fanon (1968), o colonialismo é muito mais do que a exploração de recursos naturais e mão de obra. É, acima de tudo, a absoluta negação do outro como humanidade. É o epistemicídio da população negra através do eurocentrismo, conforme aponta Quijano (2000). A origem colonial da arqueologia como campo disciplinar ajudou a construir as identidades do “eu” e do “outro”, do “civilizado” e do “selvagem”. Temos, portanto, uma responsabilidade a assumir no processo de dominação. Também é nossa tarefa atuar para reparar.

As práticas museológicas e patrimoniais mais correntes encapsulam em vitrines as materialidades das culturas. Patrimonializam-se locais que se encontram em perigo pela extração capitalista comercial, como na África do Sul. Fabricam-se “réplicas de objetos” como emblemas turísticos, quando não se musealizam espaços emblemáticos que foram símbolo de opressão e extermínio, como as diversas portas de não retorno na África. Essas práticas contribuem para a visibilidade e conscientização social acerca dos apagamentos, aniquilações e crimes contra os direitos humanos cometidos ao longo dos séculos no processo de criação de novos estados e identidades? De que maneira essa visibilidade favorece a desnaturalização das diferenças raciais como elemento principal de justificação da desigualdade social?

Apesar das lutas e do ativismo social, as construções identitárias que se realizam desde a determinação patrimonial denotam que o patrimônio é uma ferramenta política que favorece aos estados e a manutenção das desigualdades sociais. O Estado moderno, por meio da promoção do patrimônio cultural, converteu as realidades locais em abstrações político-culturais, em símbolos de uma identidade nacional em que se diluem os conflitos e as particularidades (García Canclini, 1999). As instituições -incluindo-se as universidades e centros de pesquisa- agiram, desde sempre, ora contribuindo com as relações de dominação, ora pautando muito pouco e combatendo timidamente as desigualdades. Nessa questão sensível a arqueologia tem um papel central na geração e reprodução de argumentos que colocam combustível no motor do capitalismo eurocêntrico e soberano que sustenta nossos corpos e mentes colonizados.

Defendemos uma relação necessária entre a produção de conhecimento científico e a política, ou seja, um conhecimento socialmente orientado como ação política para a transformação social. Quais são os limites? Quais são as relações possíveis entre a produção de conhecimento e as demandas e atuação das reivindicações do âmbito político-social? Por que as perguntas da arqueologia sobre as coisas poucas vezes fazem a crítica anticapitalista, antirracista e anticolonial? Por que resistimos em retirar os objetos das reservas técnicas, vitrines e museus e utilizá-los como possibilidade concreta de reparação, sobretudo dos crimes de estado? Por que nos ocupamos da elaboração de complexas teorias e da criação de conceitos sofisticados, mas pouco propomos (e nos dispomos) em termos de ações e na construção de um discurso crítico para a justiça social?

Propomos como resposta pensar em medidas reparativas concretas para os povos que ainda sofrem a opressão e o etnocídio do capitalismo. Sugerimos partir de uma premissa: não existe arqueologia sem os movimentos sociais. Entendemos que estudar uma realidade social (considerando a relação contínua de tempo passado-presente que propomos) significa estudar a nós mesmos. A epistemologia colonial, que reflete os interesses brancos e patriarcais, nos coloca o trauma de uma sociedade branca e masculina, que impede outros sujeitos de serem sujeitos plenos em sua experiência no mundo. Assim, é preciso pensar o crime da escravidão, e consequentemente o racismo, numa perspectiva de trauma social, para além de trajetórias individuais.

Alguns temas nos colocam em estado permanente de crise. Nesse sentido,

(...) La Capra propõe observar o que denomina de trauma histórico, o qual, conjuntamente ou para além das condições pessoais e estruturais do humano, provoca cisões específicas em experiências sociais, como cesuras históricas produzidas em um dado momento em uma dada sociedade. Como as sociedades modernas não costumam possuir processos sociais e/ou rituais eficazes para elaboração de um trauma mediante o luto coletivo, as perdas históricas, como qualquer perda, geram fantasmas ou vazios, que exigiriam ser nomeados e especificados para que as feridas sanassem. Na ausência do luto coletivo, que permitiria aos sujeitos sociais elaborar a dor, configura-se a dinâmica da (quase) irrepresentabilidade traumática em âmbito sócio-histórico. A bela metáfora de um “rasgo na história”, trazida por Enzo Traverso para tratar dos efeitos de Auschwitz, traduz bem o significado de um trauma histórico, em consequência do qual se produzem vítimas em escala ampliada (De Moraes Vieira, 2010, p.155).

A psicanalista María Rita Kehl (2010) argumenta que toda realidade social produz um universo paralelo formado pelas experiências não incluídas nas práticas falantes e de memória. Nesse lugar vivem aqueles e aquelas que tiveram seus corpos torturados, perderam pessoas e nunca tiveram reconhecidos os crimes por parte de quem os praticou. Para a autora, a radicalidade da dor e despersonalização por que passaram são responsáveis por uma sensação de irrealidade tanto quanto o fato concreto de que as violências cometidas nunca foram reconhecidas e reparadas publicamente (Kehl, 2010, p.126).

No caso do Brasil e da América Latina, os mitos da democracia racial contribuem até hoje para esconder conflitos que estão no cerne da formação social de nossos países desde o período colonial. As consequências de um sistema brutal de exploração e aniquilação do outro é expressa atualmente no racismo. Um problema estrutural que resulta em uma imensa desigualdade no acesso a direitos, bens e serviços pela população negra, e que tem uma expressão especialmente perversa nas políticas de repressão e controle dessa população.

Para continuar seguindo Maria Rita Kehl (2010), é preciso que se diga que as vítimas não se calaram sobre o trauma da violência da escravidão. Desde a imprensa negra do século XIX até a configuração dos movimentos negros no início do século XX, há denúncias, análises e a formação de uma memória pública de quem sofreu e sofre a violência. Mas instituições culturais e estatais nem sempre o fizeram, e quando o fizeram foi em nome de um humanismo abstrato. O apagamento acontece, portanto, por parte das instituições que de alguma forma estão vinculadas ao processo social que desencadeou a violência.

A desconstrução das dicotomias passado-presente, sujeito-objeto, é central para refletir sobre nosso potencial e a ingerência da arqueologia na sociedade. Nesse sentido, acreditamos que a arqueologia como ciência social e humana deve se concentrar em repensar a forma de exercer seu campo disciplinar. Seguindo Curtoni (2014), a prática da arqueologia coloca em cena os interesses dos diversos sujeitos envolvidos, incluindo os arqueólogos e os grupos que foram e são marginalizados-silenciados.

Os exemplos das coisas manejadas para construir identidades e a concepção de Ingold (2012, 2013) da fisicalidade da experiência humana, as pesquisas à luz da crítica pós-colonial e a dissolução da distância temporal passado-presente nos levam a pensar como o passado colonial incide no presente histórico e de que forma nossas construções patrimoniais sustentam ou combatem a permanência do colonialismo nas relações globalizadas no sistema-mundo contemporâneo. É preciso estar atento porque o exercício de nossa prática profissional pode aportar para uma "aniquilação simbólica” quando nos centramos em realizar análises de sociedades consideradas como “passadas”, “originárias”, “preexistentes”. Isso pode contribuir para a classificação de grupos sociais sob um conjunto de características e atributos que os sentenciam como inferiores.

Estruturais, o racismo e outras desigualdades não se solucionam apenas com políticas de estado para a reparação, pois o próprio estado é autor de crimes. É preciso muito mais. Mas é preciso minimamente exigir tais políticas. Nosso próprio papel colonizador faz com que reconheçamos lesa-humanidade no genocídio judeu, mas não o reconhecemos na escravidão negra, por exemplo. Contudo, a materialidade e o resultado dos trabalhos em arqueologia da diáspora africana, quando devotados, por exemplo, aos contextos de tráfico africano, poderiam ser utilizados como provas de crimes de terrorismo de estado, crimes de lesa-humanidade contra populações africanas.

Evidentemente, essa não é responsabilidade somente dos arqueólogos, e, por mais que nos engajemos, um conjunto de aparatos de dominação está em ação para manter as relações de desigualdade. A contínua construção da ideia de raça tem como base a subjugação, a subalternização e a expropriação (Segato, 2007). Mas está ao nosso alcance e cremos ser nossa responsabilidade engajar-se na busca por garantias de direitos coletivos como o reconhecimento de identidades, a demarcação dos territórios, promover a abertura do campo para construção de um conhecimento pelo olhar dos próprios sujeitos implicados como protagonistas, auxiliar na obtenção de demandas econômicas e sociais de grupos oprimidos articuladas com as ambientais, culturais e políticas. Atuar para o reconhecimento de crimes de lesa-humanidade, por reparação material, por igualdade de oportunidades, na reescrita das histórias, na denúncia das desigualdades contemporâneas como o genocídio do povo negro, da repressão das forças do estado e criminalização da pobreza, a exploração da mulher negra, os índices de violência, a realidade carcerária (Segato, 2007), e suas respectivas vinculações com processos históricos mais amplos.

CONCLUSÃO: ARQUEOLOGIA COMO ATIVISMO SOCIAL

Ao expandir a concepção de patrimônio não como um campo concernente ao passado, mas sim partindo do questionamento de como o patrimônio faz futuro, Rodney Harrison (2018) nos agrega a perspectiva das arqueologias de presentes e futuros emergentes. Partindo de uma noção em que arqueologia é ela mesma coprodutora daquilo que investiga, na medida em que é uma intervenção discursiva e material no presente, ele diz:

Dentro dessa lógica, se existem variados engajamentos arqueológicos com o presente, existem também – por inferência – variados passados que essas diversas arqueologias produzem. Além disso, de modo crítico, da mesma forma que existem muitos passados, existem também muitos futuros possíveis, amarrados e tornados reais pelos passados que a arqueologia faz no presente (Harrison, 2018, p.91).

Assim, abre uma perspectiva de que o desenvolvimento de nossas pesquisas pode afetar políticas de interesse social contemporâneas a partir de preocupações políticas, econômicas e ambientais. Abre as portas para uma arqueologia engajada capaz de ser um agente de mudança em relação a questões presentes, como as apresentadas nesse artigo. Desse modo, a partir dessas reflexões e assumindo que a arqueologia é coprodutora das realidades que investiga, podemos compreender por arqueologia como ativismo social as práticas, ações e reflexões que, levadas a cabo de forma permanente, buscam construir mudanças sociais e políticas rumo a um mundo mais igualitário, antirracista, dentro e fora de nosso campo disciplinar.

Queremos finalizar nossa análise chamando à reflexão para duas questões, que em nosso entendimento são centrais para a descolonização do poder. Primeiro, por que não os atrevemos a formular perguntas de investigação que apontem a reparação dos danos ocasionados pelo escravismo nas Américas? E em segundo lugar, por que não buscamos pontes para solicitar sanções e medidas concretas contra as nações que cometeram e seguem cometendo crimes de lesa-humanidade?

Diante da primeira questão, consideramos que conforme foi mencionado ao longo deste artigo, nossa disciplina, historicamente, esteve a serviço da expansão territorial dos impérios. A chamada “cultura material” que recuperamos de um sítio arqueológico não é somente evidência de formas, estilos de vida e estruturas que temos de interpretar para gerar uma narrativa que seja um relato do que pode ter acontecido, de como pode ter sido a vida desde então. Às vezes essas coisas são evidência que pode e deve ser utilizada em julgamentos contra as nações genocidas. Recordamos que os crimes contra os direitos humanos são imprescritíveis.

Diante da segunda pergunta, acreditamos que a resposta é porque nossas mentes e corpos também foram colonizados. Isso conduziu à criação de categorias de análises que podem tornar-se compartimentos estanques que borram as interconexões existentes entre elas. Reproduzimo-las, muitas vezes inconscientemente, nas práticas patrimoniais por meio de narrativas e discursos considerados oficiais porque provém de vozes acadêmicas “autorizadas”, que põem a girar o capitalismo que retroalimenta e aprofunda relações raciais de desigualdade social. 

Por isso, consideramos que nosso objetivo principal como cientistas sociais deve ser apontar para medidas reparativas concretas e para uma conscientização que desconstrua tanto a colonização sobre nosso campo disciplinar como sobre a sociedade em geral. Que ao mesmo tempo busque desnaturalizar as novas formas de colonialismo global que tem saturado nossa visão, ambas as formas centradas em um capitalismo obsceno que cerceou nosso sentido humanitário. As interpretações do passado deveriam orientar a ação coletiva para um mundo mais justo.

AGRADECIMENTOS

Expressamos nosso agradecimento ao Dr. Lúcio Menezes Ferreira por seus comentários e aportes a esta discussão, que se iniciou a partir de análises e debates da problemática patrimonial sobre os estudos da diáspora africana em um seminário, ministrado por ele, no programa de pós-graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas. Também agradecemos aos avaliadores por seus comentários e contribuições e aos editores desse dossiê pelo convite para integrá-lo.

NOTAS

1 As discussões acerca do conceito de epistemologia do sofrimento, patrimonialização e arqueologia e movimentos sociais que mencionamos aqui são realizadas por Lúcio Menezes Ferreira no âmbito do projeto O Pampa Negro: Arqueologia da Diáspora Africana nas Charqueadas de Pelotas, coordenado por ele no LEICMA/UFPEL. Estes temas integram os seminários Estudos Avançados I - Patrimônio Cultural e Comunidades: estudos de caso sobre diáspora africana, organizados por Lúcio Menezes Ferreira no Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas.

2 Estratégias como manifestações de ódio em relação aos pequenos avanços sociais da população negra a partir das políticas de ações afirmativas, políticas de austeridade, ajuste fiscal e repressão em diversos países, políticas de imigração etc., que possuem um recorte étnico-racial e atingem de forma diferente os sujeitos sociais.

3 As “situações raciais” nos EUA e no Brasil sevem como exemplo. Segundo Oracy Nogueira (2006), nos EUA a ênfase do preconceito se dá na origem (descendência), enquanto no Brasil se dá como preconceito de marca (fenótipo).

4 Embora ambas as literaturas citadas mencionem a introdução da "Capilla de los Negros" na lista da "Rota dos Escravos", nenhuma referência a este sítio foi encontrada no site da UNESCO.

5 Conjunto de dispositivos legais que institucionalmente impunham uma série de restrições, cerceamento de direitos e segregação racial para as populações negras nos EUA e África do Sul, respectivamente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Alderman, D. y Campbell, R. (2008). Symbolic Excavation and the Artifact Politics of Remembering Slavery in the American South: observations from Waterloo, South Carolina. Southeastern Geographer, 48(3), 338-355.

Anderson, B. (1993). Comunidades Imaginadas. Reflexiones sobre el origen y la difusión del nacionalismo. Fondo de Cultura Económica.

Andrade Lima, T. (2013). Arqueologia como Ação Sociopolítica: o caso do Cais do Valongo, Rio de Janeiro, século XIX. Vestígios: revista latino-americana de Arqueologia Histórica, 7(1), 177-208.https://doi.org/10.31239/vtg.v7i1.10617

Annecchiarico, M. (2014). Patrimonio cultural afroargentino: trayectorias, estudios y desafíos. Em E. González Noriega (Ed.), Actas XII Conferencia Internacional de Antropología (pp. 1-20). Instituto Cubano de Antropología.

Annecchiarico, M. (2018). El patrimonio cultural afroargentino: un análisis del programa “ruta del esclavo” UNESCO en Argentina. Revista del Museo de Antropología, 11(1), 229-240.https://doi.org/10.31048/1852.4826.v11.n1.17543

Barnes, J. (2011). An Archaeology of Community Life: Appalachia, 1865-1920. International Journal of Historical Archaeology, 15, 669-706.https://www.jstor.org/stable/41410907

Bhabha, H. (1998). O local da cultura. Editorial UFMG.

Curtoni, R. (2014). Multivocalidad, geopolíticas y patrimonio. Prácticas situadas entre los rankülches del centro de Argentina. Em C. Gianotti García, D. Barreiro Martínez, y B. Vienni Baptista (Cords.), Patrimonio y Multivocalidad. Teoría, práctica y experiencias en torno a la construcción del conocimiento en Patrimonio (pp. 115-124). Universidad de la República de Uruguay.

Fanon, F. (1968). Os Condenados da Terra. Civilização Brasileira.

De Moraes Vieira, B. (2010).  As ciladas do trauma: considerações sobre história e poesia nos anos 1970. En E. Teles, y V. Safatle (Comps.), O que resta da ditadura: a exceção brasileira (pp. 151-176). Boitempo.

García Canclini, N. (1999). Los usos sociales del patrimonio cultural. Em E. Aguilar Criado (Coord.), Patrimonio Etnológico, Nuevas perspectivas de estudio (pp. 16-33). Instituto Andaluz de Patrimonio Histórico.

García, Canclini, N. (2001). Culturas Híbridas. Estrategias para entrar y salir de la modernidad. Paidós.

Giovanetti, J. (2009). Subverting the Master´s Narratives: Public Histories of Slavery in Plantation America. International Labor and Working-Class History, 76, 105-126.

González Ruibal, A. (2012). Hacia otra arqueología: diez propuestas. Complutum, 23(2), 103-116.https://doi.org/10.5209/rev_CMPL.2012.v23.n2.40878

Harrison, R. (2018). Arqueologias de futuros e presentes emergentes. Vestígios. Revista latino-americana de arqueologia histórica, 12(2), 83-104.https://doi.org/10.31239/vtg.v12i2.12200

Hayes, K. (2011). Occulting the Past: conceptualizing forgetting in the History and Archaeology of Sylvester Manor. Archaeological Dialogues, 18(2), 197-221.https://doi.org/10.1017/S1380203811000262

Informe del Director General sobre el Proyecto La Ruta de Esclavo. (2009). Organización de las Naciones Unidas para la Educación, la Ciencia y la Cultura, 181 EX/13, Parte I.https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000181062_spa

Ingold, T. (2012). Trazendo as Coisas de Volta à Vida: emaranhados criativos num mundo de materiais. Horizontes Antropológicos, 18(37), 25-44. https://doi.org/10.1590/S0104-71832012000100002

Ingold, T. (2013). The Materials of Life. Em T. Ingold (Ed.). Making: Anthropology, Archaeology, Art and Architecture (pp. 17-32). Routledge.

Katchka, K. (2004). Re-siting Slavery at the Gorée-Almadies Memorial and Museum. Museum Anthropology, 27(1-2), 3-12.

Kehl, M. (2010). Tortura e sintoma social. En E. Teles, y V. Safatle (Comps.), O que resta da ditadura: a exceção brasileira (pp. 123-132). Boitempo.

Lamborghini, E. (2019). Antropología de los museos y representaciones afrodescencientes: perspectivas teóricas, debates y propuestas. Revista del Museo de Antropología, 12(3), 61-72.https://doi.org/10.31048/1852.4826.v12.n3.21990

Laroche, C. (2011). Archaeology, the Activist Community, and the Redistribution of Power in New York City. Archaeologies: Journal of the World Archaeological Congress, 7(3), 619-634.https://doi.org/10.1007/s11759-011-9187-3

Mazzanti, D. (2010). Factores dominantes en el desarrollo de la arqueología pampeana del período posconquista. En J. Nastri y L. Menezes Ferreira (Eds.), Historias de Arqueología Sudamericana (pp. 189-209). Universidad Maimonides, Fundación de Historia Natural Félix de Azara.

Mbembé, J.A y Meintjes, L. (2003). Necropolitics. Public Culture, 15, 11-40.

Medina Seminario, M. y Vásquez Arana, C. (2013). La imprescriptibilidad de los delitos de lesa-humanidad y prohibición de beneficios. Lex, Revista de la facultad de Derecho y Ciencia Política, 11(11), 47-64.http://dx.doi.org/10.21503/lex.v11i11.4

Menezes Ferreira, L. (2008). Patrimônio, pós-colonialismo e repatriação arqueológica. Ponta de Lança, Revista Eletrônica de História, Memória & Cultura, 2(2), 37-62. https://seer.ufs.br/index.php/pontadelanca/article/view/3147

Menezes Ferreira, L. (2009). Arqueologia da Escravidão e Arqueologia Pública: Algumas Interfaces. Vestígios. Revista latino-americana de arqueologia histórica, 3(1), 8-23.https://doi.org/10.31239/vtg.v3i1.10710

Mosquera, C y Barcelos, L. (2007). Introducción. En C, Mosquera y L, Barcelos (Eds.), Afro-reparaciones: memorias de la Esclavitud y Justicia Reparativa para negros, afrocolombianos y raizales (pp. 1-70). Universidad Nacional de Colombia.

Ndvolu, N. (2017). Fragmented Approach to Governance? Critical Review of the Role Played by Various Government Departments and Agencies in the Administration of Heritage Matters in South Africa. Archaeologies: Journal of the World Archaeological Congress, 12(3), 281-303.https://doi.org/10.1007/s11759-017-9302-1

Nogueira, O. (2006). Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem: sugestão de um quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, 19(1), 287-308.

Quijano, A. (2000). Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina. En E. Lander (Comp.), La Colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas Latinoamericanas (pp. 201-246). Colección Sur-Sur, CLACSO.

Sánchez Arteaga, J. (2017). Biological Discourses on Human Races and Scientific Racism in Brazil (1832-1911). Journal of the History of Biology, 50(2), 267-314.https://doi.org/10.1007/s10739-016-9445-8

Segato, R. (2007). El Color de la cárcel en América Latina. Apuntes sobre la colonialidad de la justicia en un continente en deconstrucción. Nueva Sociedad, 208, 142-161.

Shackel, P. (2001). Public Memory and the Search for Power in American Historical Archaeology. American Anthropologist, 103(3), 655-670.

Vassallo, S y Cicalo, A. (2015). Por onde os africanos chagaram: o cais do valongo e institucionalização da memória do tráfico negreiro na região portuária do Rio de Janeiro. Horizontes Antropológicos, 21(43), 239-271.https://doi.org/10.1590/S0104-71832015000100010

Worden, N. (2009). The Changing Politics of Slave Heritage in Western Cape, South Africa. Journal of African History, 50(1), 23–40.http://www.jstor.org/stable/40206696

Obra bajo Licencia Creative Commons Atribución-NoComercial-CompartirIgual 4.0 Internacional
logo_rdahayl